A apreensão e a perícia da substância entorpecente são absolutamente necessárias para a comprovação da materialidade do crime de tráfico de drogas.
Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento a um recurso especial ajuizado pelo Ministério Público de Minas Gerais contra a absolvição de pessoas acusadas de vender entorpecentes.
Os réus foram denunciados com base em provas oriundas de interceptações telefônicas — que mostraram negociação de drogas — e no testemunho de pessoas, que indicaram que eles adquiriam, ofereciam e vendiam as substâncias a terceiros.
O problema é que nenhum entorpecente foi apreendido durante as investigações. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que faltava materialidade à acusação e, assim, absolveu os réus.
Ao STJ, o MP defendeu que a materialidade do crime de tráfico de entorpecentes pode ser evidenciada por outros elementos de prova, posição que contraria a jurisprudência do próprio STJ.
Relator da matéria, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca explicou que a configuração desse crime exige que a substância seja efetivamente apreendida e periciada, para que se possa identificar, com grau de certeza, qual é o tipo de substância ou produto.
“Embora as provas oriundas das interceptações telefônicas judicialmente autorizadas e a prova oral tenham evidenciado que os ora recorridos supostamente adquiriam, vendiam e ofereciam ‘drogas’ a terceiros, não havia mesmo como subsistir”, disse o magistrado.
“Inexistindo, na espécie, a apreensão de drogas, imprescindível para a demonstração da materialidade do crime de tráfico, era mesmo de rigor a absolvição”, concluiu o relator. A votação na 5ª Turma do STJ foi unânime.
REsp 2.107.251
Dr. Daniel Fernandes, Itapetininga, SP 04/04/2024
Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br
A Carta Política do Império do Brasil, outorgada por dom Pedro 1º em 25 de março de 1824 (há 200 anos, portanto), representa importantíssimo marco fundamental que inaugurou a história do constitucionalismo em nosso país!
FOI, entre nós, o instrumento constitucional de maior longevidade, pois vigorou ao longo de 65 anos e (quase) oito meses, havendo cessado sua vigência e eficácia em virtude da edição, pelo Governo Provisório da República, chefiado pelo Marechal Deodoro da Fonseca, do Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889!
CONSAGRADO o novo regime político a partir do movimento que resultou na independência de nosso país, livre de sua vinculação ao Reino de Portugal, cabe reconhecer que foram muitas as inovações introduzidas no plano jurídico-institucional plasmadas no texto de nossa primeira Carta Constitucional, cujas principais características foram sintetizadas no livro (Constituição Federal Anotada, 2ª edição, 1986, Saraiva), a propósito de muitos outros temas, sobre os aspectos tipológicos das diversas Constituições que o Brasil teve até hoje!
EIS as notas mais expressivas (e relevantes) que constam, como referências politica e juridicamente inovadoras, do “corpus” constitucional consubstanciado no texto normativo da Carta Política do Império do Brasil:
a) ela instituiu a forma unitária de Estado, com forte centralização político-administrativa;
b) adotou a forma monárquica de governo;
c) dividiu o território do Império do Brasil em províncias, cada qual administrada por um presidente, nomeado pelo Imperador e livremente por ele exonerável;
d) definiu o catolicismo como religião oficial do Império, embora assegurasse às demais religiões o culto doméstico ou particular, desde que sem forma exterior de templo;
e) reconheceu a divisão funcional do poder como o princípio conservador dos direitos e liberdades do cidadão;
f) incorporou ao texto a fórmula elaborada pelo jurista e pensador político franco-suíço Benjamin Constant (sem qualquer identificação com o Tenente-Coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães) consistente no reconhecimento de quatro poderes políticos: legislativo, moderador, executivo e judicial;
g) o Poder Legislativo foi delegado à Assembleia Geral, órgão bicameral, composto pela Câmara dos Deputados (eletiva e temporária) e pela Câmara dos Senadores ou Senado (organizada por eleição provincial, designados os seus membros pelo Imperador, a partir de uma lista tríplice, e investidura vitalícia);
h) o sistema eleitoral vigente tinha por fundamento o sufrágio censitário, apenas titularizável por aqueles que, dentre outras exigências, satisfizessem os requisitos de ordem econômico-financeira. Desse modo, apenas podiam votar (cidadania ativa) os que tivessem fortuna própria ou possuíssem renda líquida, mínima e anual de cem mil-réis. De outro lado, a elegibilidade (cidadania passiva) também era condicionada a requisitos econômico-financeiros: eleitor de província (renda mínima, liquida e anual de duzentos mil-réis), deputados (renda de quatrocentos mil-réis), senador (renda de oitocentos mil réis);
i) o Poder Moderador (“Pouvoir Royal” ou Poder Neutro ) e o Poder Executivo foram deferidos ao Imperador. O primeiro (Poder Moderador), reconhecido como “a chave de toda organização política” do Império, foi delegado privativamente ao monarca, para que, mediante o seu exercício, desempenhado com o auxílio do Conselho de Estado, velasse sobre a preservação da independência e a manutenção do equilíbrio e harmonia dos três outros poderes políticos. O exercício do Poder Moderador legitimava a intervenção do Imperador na esfera do Legislativo (nomeando senadores, dissolvendo a Câmara dos Deputados, convocando extraordinariamente a Assembleia Geral, sancionando e vetando as proposições legislativas), do Executivo (nomeando e exonerando os Ministros de Estado) e do Judiciário (suspendendo os magistrados, exercendo a clemência soberana em relação aos réus condenados por sentença). O Imperador também chefiava o Poder Executivo, que exercia por intermédio de seus Ministros de Estado. Estes eram responsáveis pelo desempenho de suas atribuições político-funcionais, podendo sofrer até mesmo a pena de morte na hipótese de crime de responsabilidade! A pessoa do monarca, contudo, era inviolável e sagrada, não estando ele sujeito a responsabilidade alguma;
j) o Poder Judiciário era composto de juízes e jurados. O Tribunal do Júri tinha competência em matéria penal e também civil, nos casos determinados pelos códigos. Os magistrados eram vitalícios. Não ostentavam, porém, a garantia da inamovibilidade. Os Tribunais da Relação, existentes em cada Província, eram órgãos de segunda instância. O órgão de cúpula do Poder Judiciário, no Império, foi o Supremo Tribunal de Justiça, cujos membros (Conselheiros) eram necessariamente magistrados togados, tirados das Relações provinciais (Desembargadores) por suas respectivas antiguidades;
k) a Carta Imperial continha uma ampla Declaração de Direitos, reflexo da influência provocada pelas Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789);
l) as proposições legislativas estavam submetidas ao poder de sanção ou de veto do Imperador, que dispunha do prazo de um mês para exercê-lo.
O veto do Imperador não era absoluto. Tinha efeito meramente suspensivo. Passadas duas legislaturas (quatro anos cada uma), e se o projeto fosse reapresentado e novamente aprovado pela Assembleia Geral, reputar-se-ia sancionado. Registre-se que, sob a Carta monárquica , e ao contrário das Constituições republicanas, estava previsto o veto tácito, caracterizado pelo decurso, “in albis” (“em branco”), do prazo de um mês.
Dr. Daniel Fernandes, Itapetininga, SP 25/03/2024
Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta quarta-feira (20/30/2024) por 9 votos a 2 que Robson de Souza, conhecido como o ex-jogador de futebol Robinho, deverá cumprir, no Brasil, a pena de nove anos de prisão pelo crime de estupro coletivo, ao qual foi condenado na Itália.
Pela decisão, assim que o processo de homologação encerrar sua tramitação no STJ, Robinho deve ser preso em Santos, onde mora. O ex-jogador ainda pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de um habeas corpus ou de um recurso extraordinário.
“Entendo que não há óbice constitucional ou legal para a homologação da transferência da pena solicitada pela Justiça da Itália”, afirmou relator do caso, ministro Francisco Falcão, primeiro a votar. Para Falcão, como a Constituição não permite a extradição de brasileiro nato, não resta alternativa se não a transferência da pena. “Quando a extradição não for cabível, impõe-se a incidência da transferência de execução da pena, justamente para que não haja impunidade decorrente da nacionalidade do indivíduo”, pontuou.
“Defender que não se possa executar aqui a pena imposta em processo estrangeiro é o mesmo que defender a impunidade do requerido pelo crime praticado, o que não se pode admitir, sob pena de violação dos compromissos assumidos pelo Brasil em plano internacional”, complementou Falcão.
Isso porque o ordenamento jurídico brasileiro também impede que alguém seja julgado duas vezes pelo mesmo crime, frisou Falcão. Por esse motivo, se a sentença não for transferida para o Brasil, isso resultaria na impunidade.
“Caso não se homologue a transferência de execução da pena, a vítima terá sua dignidade novamente ultrajada, pois o criminoso ficará completamente impune diante da impossibilidade de deflagração de nova ação penal no Brasil”, disse Falcão.
Votaram como o relator os ministros Herman Benjamin, Humberto Martins, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell, Isabel Galotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas-Bôas Cueva e Sebastião Reis. Ficaram vencidos os ministros Raul Araújo e Benedito Gonçalves.
“O Brasil não pode ser refúgio para criminosos”, disse Campbell.
Os ministros do STJ não examinaram as provas e o mérito da decisão da Justiça italiana, mas julgaram se foram preenchidos todos os requisitos legais para que a pena de prisão seja cumprida no Brasil, conforme requerido pela Itália.
O crime ocorreu em uma boate de Milão em 2013, mostram os autos do processo. A condenação de Robinho foi confirmada em três instâncias na Itália e transitou em julgado, ou seja, não há mais recursos possíveis no Judiciário italiano.
O ministro Raul Araújo foi o primeiro a divergir. Para ele, a homologação da sentença não seria possível em caso de brasileiro nato, como Robinho, que não pode ser extraditado. Isso porque a Lei de Migração, que prevê a transferência de pena para o Brasil, diz que o procedimento só se aplica “nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória”.
Araújo também apontou para o tratado bilateral de cooperação jurídica em temas penais, assinado por Brasil e Itália e tornado efetivo por decreto em 1993. O acordo prevê que a cooperação em assuntos criminais não se aplica “à execução de penas restritivas de liberdade”.
O ministro começou seu voto lembrando que as garantias da Constituição que protegem o brasileiro nato serve para todos, embora somente quando precisamos que costumamos nos lembrar. “As garantias só nos preocupam e nos são especialmente caras e muito perceptíveis quando sentamos no banco dos réus ou quando temos uma condenação”, afirmou Araújo.
Ele negou que seu voto fosse a favor da impunidade. “A ausência de requisitos legais [para a homologação] não resulta em impunidade. [Robinho] estará sujeito a julgamento e processo no Brasil”, disse Araújo. Para ele, se aplicaria ao caso a regra do Código Penal, segundo a qual o brasileiro nato pode ser processado no Brasil por acontecimentos no estrangeiro.
Em voto breve, o ministro Benedito Gonçalves acompanhou a divergência.
Antes do relator, a defesa de Robinho sustentou que a transferência da sentença estrangeira seria inconstitucional, por esvaziar o direito fundamental de não extradição de brasileiro nato. Além disso, o advogado José Eduardo Alckmin, que representa Robinho, apontou que tratados bilaterais entre os dois países proíbem expressamente a cooperação jurídica para a execução de penas restritivas.
Outro argumento foi de que a Lei de Migração (Lei 13.445/2017), que prevê o instituto de transferência de execução de pena, foi aprovada em 2017, enquanto os fatos criminosos ocorreram em 2013. Alckmin defendeu que a norma tem natureza penal, e por isso não poderia retroagir para prejudicar o réu. “Em face da nossa Constituição, não poderia retroagir para alcançar um fato ocorrido antes de sua vigência”, argumentou o advogado.
O relator, contudo, rebateu todos os argumentos. No último ponto, Falcão entendeu que a norma que permite a transferência do cumprimento de pena possui natureza procedimental, sendo assim de aplicação imediata, inclusive a fatos do passado. “Perfeitamente aplicável a Lei de Migração ao caso concreto”, afirmou.
Essa foi a argumentação da Procuradoria-Geral da República (PGR), que também defendeu a transferência de pena. “Não se pode permitir a impunidade de brasileiro que cometeu crime no exterior simplesmente porque o Brasil não o extradita”, disse o vice-procurador-geral da República, Hindemburgo Chateaubriand.
Dr. Daniel Fernandes, Itapetininga, SP 24/03/2024
Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br